Tudo passa, aproveite.
Essa fase vai passar, você vai sentir falta.
Passa tão rápido, você vai ver.
Essas frases dominavam meus diálogos internos nas madrugadas em que eu acordava para amamentar: isso vai passar também. Mas o que fica depois que passa?
Talvez a gente diga essas frases para nos lembrar de que algo inevitavelmente vai escapar, e na esperança de que quem escuta não deixe que isso aconteça. Mas é inútil — muitas coisas passam e precisam mesmo ficar na linha do tempo. Ainda assim, se a infância é o chão que pisamos pela vida inteira, como diz Lya Luft, o que fica? E qual é o critério para que o que vivemos na nossa infância, e na infância daqueles de quem cuidamos, permaneça em nós?
No próximo ano, Maria completa uma década de vida. Suas brincadeiras já não mostram mais o desejo de espalhar tudo pelo chão do quarto. Sua rotina de sono revela sua autonomia em construção — ela dorme sozinha e escolhe os livros que lê. Ao longo desses quase 10 anos, muitas coisas passaram. O que fica em mim é a presença nas lembranças. O que eu vejo que ficou nela é o pedido de colo, a certeza de que sempre terá quando precisar.
Tem o que fica e dói, que precisa ser cuidado e elaborado. Tem o que fica e nos alegra. Tem o que fica e nos sustenta. Tem o que fica e gera conflito com o que pede passagem. Tem o que fica e que julgamos e rejeitamos. E tem o que fica e traz saudade, por não ser mais possível reviver aquela sensação, aquele abraço, aquela primeira vez.
Acompanhar a infância da Maria é também revisitar a minha própria. Reconhecer o que se perdeu e não volta mais, e o que se preservou e ainda está aqui.
Uma infância saudável é um direito das nossas crianças, mas, infelizmente, no Brasil, ainda é um privilégio. O meu desejo é que possamos agir de forma mais coletiva e colaborativa, para que as estradas de muitas infâncias sejam mais floridas, divertidas e seguras.
Roberta Rocha
Psicóloga de meninas e mulheres, Terapeuta de casais e famílias, Facilitadora de encontros entre mulheres
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